Na definição presente em dicionários, flambar é o ato de despejar bebida alcoólica em um alimento, ateando fogo em seguida. Simples, não é? Nem tanto. A técnica, possivelmente criada pelos franceses, está presente há muito tempo na culinária mundial, mas não são todos que conseguem dominá-la.
Para dar um sabor especial à receita, além do cuidado óbvio com o fogo, que pode causar acidentes, é preciso apuração e conhecimento e também observar os detalhes. Se o teor alcoólico da bebida for muito baixo, por exemplo, o tão desejado efeito aromático e visual pode não dar certo. Além disso, o bom andamento do prato depende, antes de tudo, da escolha do tipo de bebida para flambar. E as opções são muitas: vinho tinto, branco, licor, conhaque, uísque e até cachaça. Acertar na escolha é o que irá garantir o sucesso da receita e a manutenção do sabor do alimento, que não pode ficar oculto pelo o do líquido.
Técnica com toque de arte
Uma refeição perfeita envolve mais do que sabor e aroma, pois também passa pela visão. Afinal, um prato organizado de maneira harmoniosa agrada e pode sutilmente favorecer o consumo das delícias.
É seguindo essa lógica que a técnica de flambar saiu, há muito, de dentro da cozinha e ganhou os salões de restaurantes, ao mesmo tempo em que conquistou status de arte para se deslumbrar. O charme de preparar a refeição com fogo faz parte até mesmo do imaginário social e aparece em filmes e novelas, sempre como sinônimo de sofisticação e requinte.
No restaurante Porcão, em Belo Horizonte, as sobremesas com frutas da época já são flambadas à vista dos clientes. “A ideia é chamar atenção para algo que é saboroso e tem um preparo diferenciado. Usamos banana, morango, kiwi, manga, abacaxi, e as sobremesas fazem sucesso, inclusive com os clientes norte-americanos. Primeiro porque o show é um atrativo e, depois, porque as pessoas gostam de saber exatamente o que vão consumir”, comenta o chef Gladson Bezerra.
Ele também ressalta que o resultado das sobremesas é único, uma vez que as frutas começam a cozinhar, mas ainda mantêm o sabor natural. “Flambar um morango, por exemplo, é completamente diferente de fazer um doce porque, com o uso da técnica, a fruta continua lá, inteira e mais macia”, diz.
Na churrascaria, o preparo é similar para todas as sobremesas e leva açúcar refinado, tipo que derrete mais rápido, e um pouco de suco de laranja e limão, que vão à frigideira. Por fim, é incluída a bebida, um conhaque. “É o tipo que combina melhor com sobremesas porque é mais forte. Não dá para usar um licor, por exemplo, porque ele já é muito doce, e a combinação pode ficar enjoativa” afirma o chef.
O licor, no entanto, foi a opção mais adequada para o uso da prática de flambar na gastronomia japonesa, pelo menos para o restaurante Mayu. “Em geral, essa culinária não utiliza muito o flambado, mas na nossa casa buscamos aliar o tradicional com o contemporâneo. Pesquisamos por dois anos para agregar o paladar brasileiro e outros sabores”, comenta uma das proprietárias, Letícia Baptista.
A receita especial da casa traz tartar de salmão e camarão, envolto de salmão e flambado com curaçau blue, licor feito de laranjas, originário da Ilha de Curaçao, no Caribe. A opção é montada no sushi bar, no salão da casa. Depois, oito unidades são colocadas em um prato fundo, onde receberão a bebida. “O que desenvolvemos foi um prato com sabor e charme, já que ele vai flambando para a mesa”, explica o chef do sushi bar, Marcus Vinícius Fortunato.
Marcus conta que o sabor fica suave, com um toque de laranja, pois o excesso do álcool evapora. “A questão principal de flambar é que, em hipótese alguma, a bebida pode tomar o sabor do prato. No caso dessa receita, o salmão é cru, mas muda de aparência porque o peixe é frágil e entra em leve cozimento”, explica.
Até no nome. A chef Cláudia Ferreira levou tão a sério o uso da prática de flambar como arte gastronômica que optou por misturar os termos para criar o nome de seu buffet, o Flamb’art, que existe há 15 anos. Segundo ela, a palavra soou condizente com a proposta de utilizar a arte como forma de transformar os alimentos para a criação de sensações, emoções e o despertar dos sentidos. “É uma técnica que dá muito sabor e um aroma diferenciado”, comenta.
Cláudia recorda que, quando o buffet começou, a técnica não era tão usada em restaurantes da capital mineira. “A alta gastronomia daqui não era desenvolvida, e práticas como a de flambar foram buscadas de outras cidades, como São Paulo”, diz.
Hoje, o buffet oferece várias opções, como um filé flambado ao conhaque e servido ao molho de manjericão, além de sobremesas à base de frutas flambadas no licor e servidas com crepe. “A origem é mesmo da receita de Crepe Suzette (francesa), mas o que fizemos foi montar uma mesa de crepes, onde cada convidado escolhe a fruta que será flambada ao vivo”, revela.
Ao ganhar os salões dos restaurantes, a técnica de flambar se tornou glamourosa. Mas, escondida nas cozinhas, a prática é bem mais usual e não assusta chefs e cozinheiros. O chef do restaurante Saatore, Wanderson da Costa, flamba vários pratos da casa à base de filé, cordeiro e frutos do mar. “Para flambar o cordeiro, usamos o uísque que é suave, mas tem muito aroma. Isso porque a carne é forte e a bebida auxilia na minimização desse odor e do sabor”, explica.
Na receita, a técnica aparece na metade do preparo. Logo após o cordeiro ser temperado grelhado, ele é colocado em uma frigideira com manteiga para, em seguida, ser despejada a bebida. Por fim, a carne recebe molhos especiais, como um de menta. “Se o cliente não souber que foi flambado com uísque, dificilmente conseguirá identificar a bebida. E o que queremos é isso, só um leve toque”, diz o chef.
Wanderson também explica que o ideal é deixar o fogo apagar naturalmente, o que significa que o álcool da bebida evaporou por completo.
Nos outros pratos flambados no restaurante, a opção é pelo conhaque, mais forte. “Ele agrega tempero ao filé, que será finalizado com molho madeira e queijo, e também em peixes e frutos do mar, para ajudar a minimizar o aroma e o gosto forte”, conta o chef.
Os peixes e frutos do mar preparados no Atlântico Bar e Restaurante, referência em pescados, no entanto, têm outra combinação: o vinho branco. Conforme ensina o chef Clécio Campos, a lógica é simples: quanto mais forte e marcante for o sabor da fruta da bebida, mais forte e marcante deve ser o alimento a ser flambado. “Não se pode usar um vinho tinto para flambar um peixe, mas esse tipo de bebida pode ser bom para carnes vermelhas, como a do boi. Em um filé de frango, por exemplo, que é um alimento suave, quase neutro, seria um equívoco colocar um rum, pois a bebida esconderia o sabor”, diz.
O chef lembra que o ato de flambar interfere até na textura do alimento. “Quando flambamos, o fogo entra na panela e o alimento é ‘chamuscado’. É muito diferente do contato alimento-metal-fogo. Se usarmos um licor de pêssego para flambar um peixe, é possível sentir o cheiro e o aroma da fruta, mas, se fosse um molho, ficaria um gosto do álcool”.
Mais do que acertar em todos esses detalhes, é imprescindível também ter uma boa bebida. “O vinho tem que ser de qualidade, com uma média de 13% de teor alcoólico. Para vodca, a média é 30%”, afirma Clécio. (AG)
Não erre na escolha:
Licor. Indicado para flambar peixes
Uísque. Carnes aromáticas, como a de cordeiro
Vinho tinto. Carnes vermelhas, a exemplo da bovina
Vinho branco. Peixes, frango e frutos do mar
Conhaque. Combina com sobremesas, carne bovina e frutos do mar
Cachaça. Especialmente carne suína, bovina e sobremesas
Uísque. Carnes aromáticas, como a de cordeiro
Vinho tinto. Carnes vermelhas, a exemplo da bovina
Vinho branco. Peixes, frango e frutos do mar
Conhaque. Combina com sobremesas, carne bovina e frutos do mar
Cachaça. Especialmente carne suína, bovina e sobremesas
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